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IMPRENSA FEMININA: Matéria de interesse ou anúncio disfarçado?

Por Ligia Martins de Almeida (*)

Se é verdade que as mulheres valorizam mais a inteligência do que a beleza, se é verdade que, cada vez mais, as mulheres se aceitam como são e rejeitam o padrão de beleza imposto pela mídia, as revistas femininas vão ter que mudar seu enfoque.
Uma pesquisa encomendada pela Dove afirma que a brasileira tem uma boa auto-estima e que só se acha feia quando a estima própria anda em baixa. E aí, em vez de afogar as mágoas em chocolate, abre a carteira e procura resolver seus problemas com produtos de beleza, cirurgias plásticas e outros milagres da cosmética.
Como press-release
"A queixa é geral: o padrão de beleza atual aprisiona e traz frustrações. A ditadura do corpo perfeito, em culote, estrias, celulite, com medidas de modelo, é um pesadelo para as simples mortais. É com bons olhos, portanto, que mulheres acompanham a chegada de uma nova mentalidade. Algumas campanhas publicitárias trabalham uma imagem feminina real, transformando gordinhas com bumbum avantajado, barriguinha saliente, magrelas sem peito ou baixinhas em garotas-propaganda". (O Estado de S. Paulo, 11/2/2006)
Não há dúvida de que as "simples mortais" do título da matéria do Estadão festejam a chegada desse novo tipo de garota-propaganda e vão se sentir mais seguras se não precisarem mais viver em função de um padrão irreal. O que precisamos perguntar é se a indústria está se adaptando à nova mentalidade feminina ou simplesmente resolveu criar um novo marketing para vender mais: o marketing da mulher assumida. Como diz Patrícia Magano, de 51 anos, que foi protagonista de anúncio para uma empresa de produtos de beleza: "O grande mérito é do iluminador e do olhar do diretor. Claro que não sou horrorosa, senão nem iriam me escolher. Mas não sou assim sempre. Eles conseguiram captar uma naturalidade. Propaganda nunca é verdade absoluta". (O Estado de S. Paulo, 11/2/2006)
Talvez por saber que até as leitoras mais sensíveis, como as mulheres em busca da beleza, desconfiam da propaganda, a indústria, os médicos e dermatologistas sejam tão solícitos com as revistas nas matérias de beleza. Com a desculpa de ajudar a imprensa feminina a prestar serviço às leitoras, divulgam seu produto em longas matérias que, por dar preço, detalhes e até eventuais contra-indicações, entram na categoria de matéria editorial, embora mais pareçam press-releases. Nem é preciso procurar muito para encontrar exemplos.
Parece superstição
Em Claudia de fevereiro, as leitoras descobrem que a novidade agora é usar "jóias para a pele": "Cremes com pedras preciosas ou semipreciosas em pó – a litocosmética – são a nova febre nas clínicas, nos consultórios de dermatologistas e nas lojas. Eles fazem um bem danado: ajudam a combater rugas, manchas de celulite e muito mais".
A explicação para esse novo milagre é dada por um dermatologista numa linguagem quase cifrada, que dá o tom "científico" ao produto: "A energia que emana das pedras – os raios infravermelhos – atua no líquido intercelular, facilita as trocas enzimáticas e age na circulação sanguínea. Combinada a princípios ativos, potencializam seu efeito, aumentando a vitalidade da pele".
Mas, para a leitora que pode se fascinar pela novidade, um alerta: não basta comprar o creme na loja da esquina: "Durante a aplicação, a pedra bruta é colocada num ponto de energia do corpo para alinhar os chacras. É a visão holística da terapia. Os resultados aparecem depois de, no mínimo, seis sessões com intervalos semanais". Parece superstição.
Um grande catálogo
Para quem não tem dinheiro, tempo ou paciência para seis semanas de tratamento, o consolo vem na legenda final: "Você merece!" Uma simples lista dos produtos, com nome, marca e preço.
Nas páginas seguintes, a solução para quem quer resultados rápidos e comprovados: cirurgia plástica. Aqui não se vendem produtos, mas serviços: da plástica do nariz, às rugas, chegando às pernas, depois de passar pelo bumbum, barriga e qualquer outro ponto que deixe a leitora (aquela mulher que segundo pesquisas está se aceitando do jeito que é) mais feliz. Depois de mostrar que é possível mudar quase tudo no corpo, o alerta final: "Cirurgia plástica é coisa séria. E por mais segura e menos agressiva que seja a técnica ultizada, ela é um processo invasivo, que exige boas condições físicas, tolerância à anestesia e profissionais competentes. E, para comprovar que o serviço é bom, ninguém menos do que o papa da cirugia plástica, Ivo Pitanguy, faz um alerta e recomenda que a leitora verifique no Conselho Regional de Medicina se o profissional está credenciado".
Um bom alerta. Mas não seria o caso de, em vez de incentivar as leitoras a tentarem uma cirurgia, mostrar que elas podem viver bem mesmo sem ter aquele narizinho arrebitado ou aquela perna perfeita que só é importante hoje porque a minissaia está na moda? Não seria o caso de as revistas femininas, mesmo em suas páginas de beleza, ajudarem as leitoras a melhorar a auto-estima descobrindo que beleza é bom mas não garante a felicidade? Ou será que as revistas femininas acreditam que "não se nasce bonito, beleza de adquire"? A frase é da dermatologista Ligia Kosgo, que já fez preenchimento de lábios em 10% de suas clientes (O Estado de S. Paulo, 11/2/2006). E parece ser a mola das matérias de beleza das revistas que, mais do que dar serviço às leitoras, acabam sendo um grande catálogo de produtos de beleza.
(*) Jornalista

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